Lote 2946049 deve ser devolvido à empresa porque tomar medicamento trocado pode causar graves problemas de saúde
Em poucas áreas do consumo o cliente está em posição tão vulnerável quanto na relação com a indústria farmacêutica. Quem compra um remédio acredita que o conteúdo é exatamente o que a embalagem e a bula descrevem. Um comprimido de farinha não pode ser flagrado pelo comprador como um pneu defeituoso ou um vestido mal-acabado.

Quem toma remédio simplesmente confia. Não há mais o que se possa fazer. Exatamente por isso, episódios de quebra de confiança nessa indústria costumam ser dramáticos. É o que se vê agora. Milhares de clientes da empresa Teuto/Pfizer tomaram antidepressivo achando que fosse antibiótico.
Nesta semana, o Ministério da Justiça anunciou que a empresa recolherá o lote 2946049 de dois medicamentos genéricos: o antibiótico norfloxacino 400 mg e o antidepressivo cloridrato de paroxetina 20 mg. São 11, 5 mil caixas fabricadas em novembro do ano passado e com validade de dois anos.
Sabe-se lá como (e por que) os comprimidos para tratar depressão e outras doenças psiquiátricas foram embalados como se fossem antibióticos. A troca oferece evidente risco à saúde e à segurança dos pacientes.
O norfloxacino é usado para combater infecções urinárias, inflamações do estômago e do intestino, gonorreia, febre tifoide etc. O tratamento padrão dura dez dias. Quando o problema é recorrente, o remédio pode ser receitado por até doze semanas.
Imagine o que é tomar rigorosamente os comprimidos do falso antibiótico e não ver resultado. Ou, pior ainda,fazer o tratamento durante os dias recomendados e acreditar que as bactérias estão sob ataque quando, na verdade, elas se multiplicam livremente. O outro dano é o consumo de antidepressivo sem necessidade. A função do medicamento é elevar no cérebro os níveis de um dos hormônios responsáveis pela sensação de bem-estar — a serotonina.
O que pode acontecer com quem tem serotonina suficiente no cérebro e toma antidepressivo sem saber? Em tese, o excesso do hormônio pode provocar dores de cabeça, insônia, agitação, ansiedade, confusão mental e até alucinações. Também pode ocorrer elevação dos batimentos cardíacos e perda de coordenação motora.
Para que um antidepressivo seja vendido como se fosse antibiótico, uma sucessão de falhas nas linhas de embalagem, identificação e controle de qualidade precisa ocorrer. A Anvisa notificou a empresa sobre os problemas depois de receber reclamações de consumidores.
Troca de embalagem é um erro grave. Para a Anvisa, casos como esse são tratados como eventos de alto risco. Por isso, basta uma única queixa para que a agência abra uma investigação. Foi o que aconteceu com o Teuto.
Quem ainda tiver em casa comprimidos do falso antibiótico não deve consumi-lo. A Anvisa recomenda que eles sejam devolvidos às farmácias onde foram comprados. Qualquer queixa ou ocorrência de problemas causados pelos produtos deve ser informada à vigilância sanitária.
Esse é apenas o mais recente dos problemas de fabricação verificados no laboratório. Desde janeiro, a empresa recebeu onze notificações para recolhimento de uma série de remédios. Em um dos casos mais bizarros, uma das cartelas continha um parafuso no lugar de um dos comprimidos de paracetamol.
O Código de Defesa do Consumidor determina que o fornecedor repare ou troque o produto defeituoso a qualquer momento e de forma gratuita. Se houver dificuldade, a recomendação é procurar um dos órgãos de proteção e defesa do consumidor.
“Todos os danos que foram causados em virtude dos erros da empresa devem ser ressarcidos”, diz Claudia Almeida, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
“Quem tem como comprovar gastos extras com a compra de outros remédios ou provocados pelo agravamento da infecção não-tratada pode pedir ressarcimento diretamente ao fabricante ou à Justiça.”. O mesmo pode acontecer se o consumidor for capaz de provar que a troca dos medicamentos acarretou algum dano moral. Por exemplo, se envolver num acidente de trânsito depois de tomar antidepressivo inadvertidamente.
ÉPOCA procurou as duas empresas para entender as razões das falhas e a estratégia de alerta e ressarcimento dos clientes. Nenhum representante aceitou dar entrevista. A Pfizer, dona de 40% das ações da Teuto, diz que não controla o processo produtivo nem tem qualquer responsabilidade pelos produtos do laboratório. O Teuto limitou-se a enviar uma nota:
“O Laboratório Teuto comunica que, em conformidade com a notificação da Anvisa, procedeu recolhimento voluntário do produto em epígrafe com problema na embalagem. O laboratório informa ainda que todas as medidas cabíveis foram tomadas e a produção na área de embalagem segue um plano de qualidade rigoroso aprovado pela Anvisa em setembro de 2014 para garantia do consumidor.”
Nenhuma empresa está isenta de cometer graves falhas. O que as diferencia é a capacidade de assumir os erros e de ser transparente nos momentos de crise. A explicação que o consumidor merece não cabe em cinco linhas.
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras) – Revista Época